quarta-feira, 15 de maio de 2013

A Geometria do Macarrão.


A GEOMETRIA DO MACARRÃO


Entre as escolas mais tradicionais dagastronomia mundial, a italiana é a mais amigável para cozinheiros iniciantes. Mesmo assim, a tarefa de juntar uma massa a um molho esconde algumas armadilhas. Escolher a mistura perfeita não é tarefa fácil. Na cozinha, já perdi a conta de quantas vezes errei diante do número incontável de combinações possíveis. A mais óbvia, espaguete com molho à bolonhesa, é sempre uma frustração. Assim que termino de comer, me dou conta de que a maior parte do molho continua no fundo do prato. Quando tentei fugir das ideias mais comuns, foram inúmeras as vezes em que transformei o macarrão numa maçaroca ao escolher um molho grosso ou engordurado demais para minhas massas. Coitados de meus amigos, que tiveram de comer e fingir que estava bom.
Na maioria das vezes em que isso aconteceu, lamentei a escolha errada e deixei para lá. Depois do meu último fracasso, resolvi pesquisar mais sobre o tema. Minha curiosidade não me decepcionou. Descobri que alguns chefs, cientistas e designers fanáticos por macarrão resolveram se debruçar sobre o tema e desvendar os mistérios das massas, seus molhos e formatos. As lições que aprendi com eles me mostraram que as características geométricas do macarrão influenciam o modo como comemos – ou deixamos de comer – determinados tipos de massa, nossa preferência por alguns tipos de molho e até as opções de macarrão na prateleira dos supermercados.
O DESIGN DA MASSA Uma ilustração de um capelete  no livro Pasta by design.  O arquiteto George Legendre, professor de Harvard, usa equações de trigonometria  para analisar a estrutura de diferentes formatos de macarrão (Foto: Pedro Schimidt)
O DESIGN DA MASSA

Uma ilustração de um capelete no livro Pasta by design
O arquiteto George Legendre, professor de Harvard, usa 
equações de trigonometria para analisar a estrutura de 
diferentes formatos de macarrão (Ilustração: Pedro Schimidt)
-
Minha primeira descoberta foi o trabalho do chef britânico Jacob Kenedy, que comanda a cozinha do premiado restaurante Bocca di Lupo, em Londres. Ele se juntou ao designer Caz Hildebrand para escrever o livro The geometry of pasta (A geometria das massas). A ideia partiu de Hildebrand, num dia comum em que resolveu questionar por que as massas tinham aqueles formatos determinados. A curiosidade levou a dupla a pesquisar o desenho das massas e a fazer uma espécie de catálogo, em que indicam que molho é o ideal para cada uma delas. O livro ensina que os formatos torcidos, como o parafuso, combinam tanto com molhos mais leves, como o sugo, como com molhos mais densos ou com pedaços de carnes e vegetais. O mesmo não vale para macarrões mais finos e longos, que pedem molhos mais gordurosos. Se tivesse lido o livro antes de me aventurar na cozinha, prepararia meu espaguete à carbonara (com bacon e ovos), em vez do tradicional molho à bolonhesa. Os elogios de meus amigos seriam mais sinceros.
Meu dilema culinário estava resolvido, mas decidi levar a pesquisa adiante. Logo deparei com um aficionado de macarrão que faz Kenedy e Hildebrand parecer dois amadores. George Legendre, arquiteto francês e professor na Universidade Harvard, usou as massas como ponto de partida para uma aventura matemática. No livro Pasta by design (O design da massa), da editora Thames & Hudson, ele apresenta ao leitor as fórmulas matemáticas que correspondem a mais de 200 tipos de macarrão. “Uso a matemática para construir prédios e pontes”, diz Legendre. “Resolvi usá-la para outra coisa divertida e que me atrai: a comida.” A ideia do livro surgiu enquanto Legendre trabalhava num escritório com um arquiteto italiano. Todos os dias, no final do expediente, os dois costumavam dividir os problemas do trabalho acompanhados de uma garrafa de vinho e de um prato de macarrão. Num desses jantares, nasceu a curiosidade de desvendar a estrutura de capeletes e espaguetes. Em seu livro, cada macarrão é apresentado por três equações trigonométricas, semelhantes às usadas na engenharia, na física e na arquitetura. Cada uma delas define as medidas em dimensões separadas: largura, comprimento e profundidade. Pode parecer um desperdício de tempo e esforço científico, mas o trabalho de Legendre teve utilidade prática. Ao final de seus estudos, usou seu enorme conhecimento sobre a estrutura das massas para criar um novo formato, com dois anéis sobrepostos. Ele batizou sua criação de ioli, em homenagem ao nome de sua filha.
As raridades (Foto: Shutterstock)
Ao contrário do ioli, que tem uma data de criação e um autor conhecido, sabe-se pouco sobre a origem das variedades mais comuns de macarrão. Os primeiros formatos de que se tem registro datam de 1200 a.C., na Península Itálica. O macarrão começou a ser preparado logo que o homem descobriu que podia moer cereais, misturá-los com água e obter uma pasta cozida ou assada. As ferramentas para alisar e cortar essa massa eram rudimentares. Isso o deixava mais grosso e rústico. A maioria dos formatos foi criada na Itália, mas nem todos se popularizaram. É fácil encontrar o penne ou o espaguete no cardápio de restaurantes de todo o mundo. Mas é preciso viajar um bocado para encontrar o racchette, um macarrão que lembra o formato de uma raquete de tênis, típico do sul da Itália. A geometria, sempre ela, explica por que alguns formatos são mais populares que outros. O penne e o parafuso podem ser feitos industrialmente com facilidade. Outros formatos, como o racchette, exigem um preparo artesanal.

Não se sabe ao certo quantos formatos de macarrão existem. Folheando as páginas de Pasta by design, deparamos com desenhos jamais encontrados nas prateleiras dos supermercados brasileiros. Aqui, são produzidos apenas 30 tipos de macarrão, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Massa Alimentícia (Abima). O espaguete abocanha 40% do total. “O brasileiro tem resistência a provar novos tipos de massa”, diz Claudio Zanão, presidente da Abima. A escassez de variedade cria um tédio culinário e a consequente queda do consumo. Não há quem aguente comer espaguete ao sugo a semana inteira.

Conhecer melhor os diferentes formatos de macarrão e seus molhos pode ajudar qualquer amador a se tornar um cozinheiro melhor. “Preparar um macarrão com o molho errado é como fazer um hambúrguer com pão de forma, em vez de usar o pão de hambúrguer”, diz o italiano Luca Gozzani, chef do restaurante Fasano, em São Paulo. “No fundo, tudo não passa de pão com carne, mas é uma experiência completamente diferente.” Depois de meu mergulho na geometria do macarrão, não cometerei mais esse erro. Com tantas combinações de molhos e massas a minha disposição, não há motivo para perder mais tempo com receitas erradas.


Fonte: Época





Nenhum comentário:

Postar um comentário