quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Por que os restaurantes de alta gastronomia servem porções tão pequenas?

Por que os restaurantes de alta gastronomia servem porções tão pequenas?


Alguém aí sabe onde foi parar aquele caprichado prato de espaguete à bolonhesa servido nas cantinas italianas que mal nos permitia ver quem sentava à nossa frente? À medida que a gastronomia aumenta sua presença nas nossas vidas, os pratos servidos nos restaurantes estão ficando cada vez menores. Como se a maioria dos chefs estivesse protagonizando uma nova versão gourmet de “Queridos, encolhi as porções”.
Para entender por que as porções em restaurantes de alta gastronomia são tão, digamos, reduzidas, seria preciso voltar um pouco no tempo. Mais precisamente, para a França da década de 1970, quando cozinheiros do país criaram um movimento culinário chamado de Nouvelle Cuisine (nova cozinha) defendendo pratos mais leves e delicados, com ênfase na apresentação. Eles não queriam mais saber de pratos clássicos da comida tradicional francesa, bem servidos e com sustância (pense nocassoulet, por exemplo, ou no boeuf bourguignon).
“Foi a partir dessa ideia que se tornou popular chamar esses pratos [menores] de ‘pratos franceses’”, explica o sociólogo Carlos Alberto Dória, especialista em alimentação. Até mesmo o chef Paul Bocuse, que liderou o movimento e se tornou um dos mais importantes do mundo, uma vez brincou: “a nouvelle cuisine era nada no prato e tudo na conta”.
  • Divulgação/facebook.com/restaurantelasai

    Pequenos bocados

    Apesar das brincadeiras, é possível elencar algumas razões que explicam por que os pratos que muitos chefs promovem em seus perfis do Instagram sejam tão pequenos. A primeira delas diz respeito a uma questão matemática: comida é proporção. Até mesmo no nosso caso do espaguete à bolonhesa, a quantidade de molho e massa precisa ser equilibrada, senão a receita não fica boa. 

    Nos pratos mais requintados da alta gastronomia, essa regra se aplica ainda mais - até porque muitos dos ingredientes têm sabores muito potentes, e comê-los em grandes quantidades não seria prazeroso para nosso paladar. 

    O chef Rafael Costa e Silva, do restaurante carioca Lasai, diz que 70% dos pratos que serve são de 'pequenos bocados'. "Temos algumas criações que não poderiam ser comidas em pratos grandes. É o caso de uma batata envolta em cacau e especiarias: é um prato de sabor forte, um pouco picante e doce. Uma só é suficiente", afirma. Outro exemplo é uma torrada com lardo de peixe (barriga de peixe curada e defumada) que ele prepara. "O lardo é um pouco salgado e o paladar cansa se comer muito", explica. 

    Outra questão levada em conta pelo chef é a possibilidade de trabalhar com ingredientes de maior qualidade - como no caso dele, que mantém uma área para produzir muitos dos alimentos que usa nas receitas. "Acho que é uma possibilidade de eu poder servir o que tenho disponível nas minhas hortas sem me preocupar com a quantidade", diz. Isso significa que, por quase nunca ter grandes volumes dos ingredientes cultivados, ele prefere diminuir as porções, de forma a permitir usá-los para servir mais pessoas.
    imagem: Divulgação/facebook.com/restaurantelasai
  • Divulgação

    Questão de porção

    No restaurante Tuju, em São Paulo, o chef Ivan Ralston também é um adepto dos pequenos pratos, que ele serve em sequência - na alta gastronomia, esse tipo de serviço ficou conhecido como "menu degustação", em que o comensal come um pouco de tudo, às vezes chegando a mais de 20 pratos servidos. Por isso, as porções têm que ser menores, para que o cliente chegue ao final do jantar ainda vivo. 

    No menu-degustação de Ralston, os oito primeiros pratos são porções pequenas, para comer com a mão. "A ideia é oferecer receitas leves para o cliente poder provar mais coisas que a gente faz, ao invés de comer um prato só", afirma. "O sistema de cardápio à la carte também torna difícil conseguir trabalhar com ingredientes frescos, já que é preciso manter um estoque alto." 

    A média consumida por um homem adulto é de 500g por refeição - para a mulher a quantidade é de 400g. Na maioria desses menus degustação essa quantidade é até superada, mas muitas vezes a percepção, pela quantidade ser servida em pequenas porções por mais tempo, é que não se comeu tanto. Pães, entrada, prato principal e sobremesa, em geral, atingem esse marco. O que muda é apenas a forma de dispor a refeição para o cliente, desmembrada em pequenas doses. 

    Claro que com isso, na maioria dos casos, muda também o preço - justificado por chefs e donos de restaurantes pelo valor mais caro de ingredientes e uma necessidade maior de serviço, já que o garçom precisa estar mais disponível para levar as muitas preparações à mesa, exigindo uma brigada maior.
    imagem: Divulgação
  • Getty Images

    Fartura à mesa

    Como a alta gastronomia tem se tornado mais democrática, é normal que se estranhe essa mudança de perspectiva. "O brasileiro está acostumado com arroz, feijão, macarrão, salada, carnes variadas na mesma refeição, das quais as pessoas se servem a gosto. Esse era o padrão da classe média, antes de se aprofundar o comer fora", afirma Dória. Num país com muitas opções de restaurantes onde paga-se e come-se quanto quiser por quilo e rodízios de todos os tipos, fomos acostumados com a quantidade em detrimento da qualidade. 

    Para Diego Barreto, docente de gastronomia do Senac Penha, somos uma população acostumada com a abundância, sobretudo à mesa, dada a riqueza de ingredientes e de recursos alimentares do país. "Nela tem origem o costume da fartura que se tornou uma 'cultura' popular", acredita. Com o advento da gastronomia e a formação do paladar cada vez mais desenvolvido, estamos aprendendo que nem sempre mais é melhor. Barreto cita como exemplo o fenômeno das cervejas artesanais, que mudou o comportamento do brasileiro - que tem preferido tomar cada vez bebidas de qualidade (com mais aromas e sabores) do que as bebidas industriais a que estava acostumado. 'Isso se aplica também à gastronomia de uma maneira geral", diz. "Começamos a perceber e exigir qualidade em detrimento da quantidade", conclui.

  • Fonte: UOL

COMENTÁRIO

Gosto de boa comida em quantidade suficiente. 

Dia desses me serviram 6 nhoques e me cobraram 70 reais!!!! E tem restaurante cobrando 50 por um prato de polenta. É abuso. 

Já experimentei um jantar que me obrigou a comer um sanduíche em casa, mais tarde. 

Quantidade suficiente é honesto, cobrar muito por pouco é abuso. escrevo como filho de dono de restaurante, cozinheiro e estudioso de gastronomia. 

Não admito ser enganado num restaurante - seja ele de alta gastronomia ou não. 

Cliente satisfeito deve ser a máxima de qualquer restaurante, no mundo todo. 

Uma colherada de quirera, 4 pinhões e uns enfeites é roubo. 

Nem sempre menos significa mais qualidade e sabor. 

JJ

Nenhum comentário:

Postar um comentário